terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Oito regrinhas dedicadas ao aumento das possibilidades de sobrevivência e sucesso de brasileiros em terras de França

1. Dê um jeito de se comunicar em francês: se dispõe de conhecimentos desse idioma, use-os; se não, corra atrás, e tente o mais rápido possível passar a falar em francês na sala, na academia (a universitária, não a da malhação), na padaria, em todo lugar. NÃO acredite naqueles comerciais brasileiros de escolas de língua inglesa que apregoam que, falando inglês, você se dá bem em qualquer lugar do mundo: em qualquer lugar, menos na França.

2. Ainda no capítulo “uso da língua francesa”, não economize no uso das quatro palavrinhas/expressões obrigatórias (e eu não vou traduzir – falei que era pra você começar a se virar): merci, pardon, bonjour/bonsoir/ bonne nuit e s’il vous plaît. Ai de você se, numa ocasião de expectativa de uso das palavrinhas, você falhar!...

3. Ao ser convidado para jantares, almoços ou mesmo reuniões sociais em lares franceses, NÃO esqueça as flores para a dona da casa, ou mesmo para o dono da casa. A garrafa de vinho é bem-vinda em algumas ocasiões, mas cuidado: franceses conhecem vinho antes de começarem a falar, então não se meta a cavalo do cão nessa área se você é analfabeto ou semi.

4. Nas ocasiões sociais acima mencionadas, treine com antecedência pelo menos DOIS dos seguintes objetos de conversação social: A) “Para onde iremos / onde fomos na ultima ocasião de férias e feriados”; franceses ADORAM passear! Se você, pobre coitado estudante-bolsista ficou preso em casa diante do computador no último feriado, pelo menos faça perguntas interessadas acerca da Tailândia, Croácia e outros Marrocos, mas nem ouse se vangloriar de ter ficado plantado em casa num feriado – pobre coitado de você!. B) O tempo, o clima (frio ou quente) a méteo (tópico relacionado ao anterior). C) Gastronomia e enofilia, mas cuidado aqui, já avisei! Caso o assunto surja, e você seja daqueles que apenas preparam um ovo cozido (e erram o ponto) e põem pedras de gelo no vinho rosé (arghh!!!), faça perguntas interessadas – mas não completamente idiotas – sobre preparações, denominações de vinhos, etc.: franceses adoram ser professores e ensinar coisas, notadamente a pobres bárbaros não-franceses. D) Lugares exóticos do Brasil, notadamente a região amazônica, o pantanal e as cataratas de Iguaçu (mas aqui, de novo, tenha cuidado: eles sorrateiramente varrem o Google, qualquer informação em falso e eles denunciam na hora).

5. Nas mesmas ocasiões sociais, EVITE os seguintes motes de conversação: A) o quanto Paulo Coelho é péssimo escritor: deixe sua soberba literária arquivada no Brasil, pois Paulo Coelho na França está mais ou menos no nível de Hemingway, inclusive é Cavaleiro da Ordem do Mérito Cultural e Literário ou algo assim, honraria concedida pelo então ministro da cultura Jack Laing (ele próprio leitor apaixonado de Paulo Coelho). B) Nessa mesma linha, evite considerações acerca do quanto Lula é/foi um presidente fraquinho: Lula, aqui, é o cara! Melhor tirar partido, “ser brasileiro que nem Lula”. C) Piadas sexistas em relação às mulheres, e piadas politicamente incorretas em relação aos negros (ih!!), aos judeus (ih!!!!!!!) e aos árabes em geral e muçulmanos em particular (ihhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!!!). Aproveite e evite falar sobre imigrantes e minorias étnicas em geral. Terreno minado. D) Política partidária francesa: os franceses andam de saco cheio com a cena politica, abordar esse assunto estraga o clima. E) Do que morreu o vizinho, o professor Fulano, o sogro do seu anfitrião, etc.: franceses NÃO vivem divulgando causas-mortis, eles as tratam como assunto privado; portanto, fique na sua, satisfaça-se em saber que a criatura morreu e pronto.

6. Na academia (acadêmica, universitária), não espere elogios rasgados a NADA e nem a NINGUÉM (naturalmente você e seu magnífico trabalho estão incluídos na regra). Pelo contrário, haverá críticas, e feitas de uma forma direta e dura (sem os vaselinantes “veja bem” ou “está bom, agora...”), o que dará em você brasileiro(a) a impressão que o interlocutor francês o odeia inapelavelmente. Não, ele não o odeia, pelo menos não necessariamente: trata-se do jeito francês de lidar criticamente com o mundo das idéias.

7. As mulheres francesas têm o desconcertante (para brasileiros) e frequente comportamento que consiste em deixar à vista suas calcinhas, notadamente em seus deslocamentos em bicicleta (e olha que agora a Mairie de Paris disponibilizou bicicletas de aluguel nos arrondissements centrais da cidade – viva!) e quando se postam a flanar, sentadinhas despreocupadamente, no gramado do Champs de Mars, diante da Torre Eiffel, na área em frente ao Beaubourg (o Centre Georges Pompidou, no Marais), e nos gramados dos Jardins de Luxembourg, Vincennes, Versailles, etc. Esse antropologicamente interessante comportamento recrudesce, naturalmente, no verão, quando as saias encurtam e as meias se vão. Mas atenção: NÃO É PARA FICAR OLHANDO PARA AS CALCINHAS DAS DAMAS e DEMOISELLES! Tal comportamento costuma ser mal-recebido, não insista. Aprenda a olhar com a visão periférica, olhar sem olhar, entende? (Sim, porque dizer para não olhar, eu nem vou tentar aqui!).

8. Franceses, notadamente os parisienses, são aparentemente (para nosso olho brasileiro) duros, mas se deixam cativar por nosotros com estonteante facilidade. Aliás, esse é um trunfo cultural que brasileiro nenhum deveria desprezar: rapidinho nós conquistamos os caras/as caras. Como conheço a nossa raça e sei que muito dos nossos agrados e chamegos são pura falsidade, apelo para o senso de humanidade e responsabilidade cívica dos patrícios no sentido de evitar cativar franceses e depois abandoná-los sem a menor consideração, como os franceses fazem com seus cães e gatos nas férias de verão (sim, porque não vai ser por causa de um cãzinho ou gatinho que as férias serão comprometidas, JAMAIS DE LA VIE!). A raposa do Pequeno Príncipe, daquele livro francês que as misses brasileiras adoram, já dizia que “somos responsáveis pelas pessoas que cativamos”. Então zelemos pelo nosso renome afetivo-emocional e tenhamos atenção pelo nosso rol de franceses de estimação, d’accord? Agora, na era dos e-mails e sites de relacionamento, nenhuma desculpa é aceitável.

É isso, conterrâneos. Bonne chance, bon courage!