domingo, 8 de fevereiro de 2015

Carta aberta à Presidenta Dilma Rousseff


Senhora presidenta, quem lhe fala e de onde lhe fala? Sou um docente do ensino superior e gestor público, nordestino, sem filiação partidária mas (me avalio como) situado à esquerda no espectro político-ideológico, e seu eleitor na ultima eleição presidencial. Isso deve bastar para minimamente contextualizar minha mensagem - e mensagens têm sempre um conteúdo explicito e um contexto de enquadre, sem o que não se pode minimamente lidar com elas.
A senhora vive hoje um momento delicado dessa sua segunda gestão (da qual sou fiador, junto com os demais brasileiros que a elegeram), e no meu entendimento a crise atual tem três frentes, que cabe à senhora atacar, e já.  A senhora se comprometeu com uma gestão de esquerda fundada no ideário do PT, fundada em sua biografia pessoal (largamente explorada na campanha), e compromissada com ênfases de gestão decorrentes dos dois pilares básicos acima citados - a transparência e moralidade no trato com a coisa publica (também largamente explorada na campanha) e a defesa intransigente dos avanços que a gestão PT acumulou anteriormente no domínio da inclusão social e aperfeiçoamento das condições de cidadania do povo como um todo, mas muito especialmente da parcela mais desvalida desse povo. A senhora se comprometeu, presidenta, com um governo de esquerda, e foi na consideração desse compromisso que lhe demos credito e em função dele a elegemos.
Todos nós, brasileiros de boa fé, queremos lutar em prol de uma economia sólida para esse pais, mas a construção de uma economia sólida não tem na abordagem liberal conservadora sua única alternativa. O chamado Custo Brasil não tem nos salários, na promoção e gestão da saúde publica e da educação e no dispêndio com pesquisa, inovação e reorganização do Estado seus principais vilões. A ênfase no setor produtivo nacional, com revisão dos critérios de concessão de incentivos na direção do compromisso com a nação, em detrimento do acordinho paroquial de ocasião, tem peso muito mais estruturante do que o apagar de incêndio do aumento dos juros (que freiam as cegas consumo e produção - notadamente da microempresa). Uma política clara de gestão da matriz energética do pais é outro ponto fundamental, que dê sentido as acorres do agora, para lidar com a crise aguda da escassez de agua e dos apagões, e a ações do depois, rumo a um patamar mais adequado para a gestão do nosso perfil (invejável) de recursos energéticos. Finalmente, cabe mencionar a gestão do problema estrutural representado pela corrupção, filha de uma política menor, de uma estrutura partidária mal-ajambrada e vocacionada para a mediocridade e para a contravenção, e da falta de coragem e vontade politica que uma gestão de esquerda (a sua!) em tese estaria comprometida a rever.
Não nasci ontem, presidenta,  e sei que no mundo real de uma democracia republicana representativa os acordos políticos devem ser feitos, mas também sei que a cúpula da gestão publica brasileira tem historicamente tratado a reforma política com dubiedade, hipocrisia e irresponsabilidade; no calor do movimento das ruas em Junho de 2013, assim como na última campanha, até plebiscito se prometeu para o trato desse tema estruturador - de novo escorregando para a vala dos assuntos importantes mas não urgentes.
A senhora preside uma nação e tem vinculo com um partido, mas veja bem, a ordem de prioridade é essa, sugerida pela construção da frase. O Estado não pertence ao PT, e nem a nenhum outro partido-aliado de ocasião. Ou bem se restabelece a confiança do grosso dos cidadãos (a começar pelos seus eleitores, mas não somente eles) na gestão publica, ou a senhora vai perder o jogo - e junto com a senhora, outros entes nobres irão igualmente para o buraco, como por exemplo a própria noção de gestão da coisa publica. Falemos então diretamente do tópico do momento: a Petrobras e as denuncias de corrupção recentes e a ela ligadas. A melhoria da governança da Petrobras não está necessariamente ligada a perda do voto maioritário do Estado, representado pelo governo vigente. A Petrobras é uma empresa de um tal valor estratégico que deve persistir ligada, majoritariamente, ao Estado Brasileiro. Mas isso não quer dizer que a Petrobras pertença ao partido ou aliança de partidos do governo no poder! A proteção da empresa, para o bem do Brasil, passa por uma melhor delimitação do setor técnico e da pesquisa e prospecção, pelo setor da gestão de negócios (a Petrobras tem ações nos mercados de valores do mundo afora), e pela responsabilidade social e politica da empresa na estruturação do Brasil (vide discussão dos royalties a serem pagos aos estados produtores de petróleo da federação, bem como destinação político-administrativa dos royalties do Pre-Sal). A organização atual da Petrobras é ruim, e tem papel importante na explicação da eclosão dos escândalos atuais, sem desconsideração dos deslizes éticos e falta de vergonha na cara de uns e de outros - cuja devida nomeação, espera-se, prossiga de forma célere, eficaz, completa e inexorável. A reorganização da govenança da Petrobras pode e deve ser feita à esquerda, presidenta, e de forma eficaz do ponto de vista meramente financeiro-administrativo. É um mito a combater essa tese de que onde há ideário de esquerda, há junto a ineficácia de gestão; o ideário de esquerda tem relação com os compromissos de destinação dos lucros da empresa, e não com sua dilapidação; quebrar a Petrobras é crime de lesa-pátria, mantê-la forte é obrigação técnica e política de seus gestores - obrigação para com os acionistas minoritários, e assim como para o acionista maioritário, que é o Estado brasileiro. Por fim, a Petrobras é somente um "case" dentre tantos outros (gestão da matriz energética e politica de estado para a gestão do PIB, por exemplo). Cabe aqui e em qualquer caso ter em mente que a ênfase não é a manutenção de estruturas partidárias de poder (o que é relevante, mas não pode ser o dado primário), e sim o compromisso com a nação brasileira enquadrado por uma visão de mundo de esquerda.
Presidenta, mais vale perder o jogo lutando uma boa luta do que perdê-lo nas cordas, apenas adiando, golpe após golpe, o nocaute final. Não a elegemos para a gestão apaga-incêndios na pequenez do dia-a-dia, na conformidade com esse status quo medíocre, na zona cinza de atitudes e decisões em que qualquer visibilidade do ideário de esquerda some completamente. Honre seus compromissos de base e conte conosco - aqueles que lhe deram crédito e a elegeram. Persista nessa posição defensiva e pequena e se prepare para a solidão - eu, pelo menos, não estarei a seu lado simplesmente por conta de carteirinhas de partido - repito o que disse no inicio, essas carteirinhas, eu não as tenho e provavelmente jamais as terei. Não lhe dirijo o dedo acusador de "estelionato eleitoral", como os eleitores do candidato perdedor não param de vociferar sempre que podem e por qualquer meio. Dirijo-lhe o apelo -  enquanto é tempo - no sentido de que não perca de vista seu compromisso com uma gestão eficaz, corajosa, competente e de esquerda. Não deixe que se registre, em sua biografia, o ônus da indecisão (que sua campanha tão brutalmente denunciou na candidata Marina Silva), da pouca nitidez de critérios além dos conselhos de seu travesseiro; a senhora NÃO está sozinha, a não ser que decida por isso. Evite o pior tipo de arrependimento - aquele, mencionado pelos poetas e cancioneiros, referente ao que NÃO se fez.
Senhora presidenta faca valer seu epíteto de campanha (junto com todo o resto), seja valente, vire à esquerda, mostre garra e serviço, e conte comigo!
Seu eleitor, a seu lado,
Jorge Falcão